Entrevista com ator humorístico Jair Kobe
Esta entrevista foi realizada na tarde que antecedeu a apresentação do espetáculo "Guri de Uruguaiana", realizado pela RBS TV Cruz Alta, no dia 09 de Setembro de 2011.
1 - Tudo tem o seu começo e sabemos que não foi diferente na
carreira humorística. Em que momento surgiu este desejo de dizer: “é esta a minha
vocação, meu projeto para a vida”; e quais as dificuldades que encontrou pelo
caminho?
Sempre tive uma veia de humor em
função da família: meu pai sempre muito divertido, meus irmãos... então, sempre
teve na minha família essa coisa de se fantasiar, de criar personagens, criar
situações. E eu, a vida inteira brinquei
com isso. Foi quando eu exercia outras funções, tive vários trabalhos:
trabalhei com a propaganda, trabalhei com música (o Grupo Canto Livre) na
década de 80, e eu tinha um restaurante com música ao vivo, e eu fazia as
brincadeiras com os músicos: quando era pra tocar música baiana, me vestia de
baiano e tocava pandeiro; fazia paródias de músicas baianas, música gaúcha...
eu colocava um bigode e uma boina e já fazia umas brincadeiras também. E quando
eu percebi, eu já havia criado vários personagens. Passei então, cada vez que
convidado para uma festa, um evento de família e amigos, o pessoal dizia: “-
Leva tuas malas com as perucas, tuas fantasias lá pra divertir a gente”. E eu chagava,
fazia as brincadeiras e tal, e agradava muito. Ai eu digo: “- Não, perai um
pouquinho, se eu estou agradando tanto assim eu vou me profissionalizar”. Então,
agora em outubro eu completo 10 anos que eu comecei nesta carreira, comecei com
42 anos. Me dediquei à carreira de humorista aos 42 anos de idade.
2 - Você mencionou em seu que site que herdou o humor de seu
pai. Qual de suas filhas herdou sua simpatia e humor? Auxiliaria nos primeiros
passos?
Eu acho que minha filha caçula,
Júlia, tem uma pegada muito interessante: ela é muito engraçada, faz vozes, ela
cria personagens. Ela tem 8 anos de idade e a gente percebe assim que ela é
mais “despachada” em relação a minha outra filha, a Rafaela que tem 12 anos.
3 - Em 2001 deu seus primeiros passos como humorista. Como foi
subir ao palco pela primeira vez em “Seriamente Cômico”?
Olha, eu nunca tive dificuldade. Eu já
estreei como se fosse um artista já veterano, porque aos 42 anos de idade já
havia feito muita coisa e palco já não era novidade pra mim porque na década de
80 participei de toda esta história da música nativista com o Grupo Canto
Livre. Chegando em 85, inclusive, com uma música classificada em um festival dos
Festivais da Rede Globo, onde cantamos esta música, chamada “Este gaiteiro”. Interpretamos
esta música no Gigantinho e depois na eliminatória, do Gigantinho fomos pra
semifinal no Maracanãzinho; Maracanãzinho lotado. Então minha experiência de
palco já vem de muito tempo, minha experiência com o público já vem de muito
tempo. Eu fazia eventos durante um período que eu morei (6 anos) em Capão da
Canoa e justamente antes de acontecer, onde eu tive este restaurante, e lá em
Capão da Canoa eu organizava um evento todo o mês que era muito bacana, se
chamava “Domingo na Praça”. Então eu ia num palco na praça e ficava a tarde
inteira administrando um evento para o público. Então isso ai me deu muita “canja”,
quando eu estreei em 2001, no Teatro do Ipê, com o espetáculo “Seriamente
Cômico” eu já tinha bastante tranqüilidade
de palco. E ai você vai aperfeiçoando, o texto era novo, o roteiro era novo. Tinha
que prestar bem a atenção no que estava acontecendo, mas a tranqüilidade de
estar na frente do público eu já dominava.
4 - Para toda e qualquer apresentação denota tempo. Quantos
ensaios chega a fazer e de onde surge inspiração para cada apresentação, por se
tratar de um humor “stand up comedy”?
Na verdade o “stand up comedy” tem
uma característica diferente, não é exatamente o que eu faço. Eu trabalho com
personagens, eu trabalho utilizando vários recursos, coisa que o “stand up
comedy” não utiliza. O “stand up comedy” não utiliza vozes, não utiliza
adereços, não utiliza recursos externos. E eu utilizo bastante. Eu utilizo a
música, eu trabalho muito com as trilhas, é um personagem caracterizado. Agora,
quanto aos ensaios, isso ai, claro, eu faço show todos os dias. Então todo dia
você vai aprendendo, adquirindo... você coloca um cara que se chama Caco, uma
brincadeira de improviso em um dia, deu certo, funcionou... no outro dia você
usa de novo, e sem se dar conta, já faz parte do texto, já faz parte do
roteiro. Você nem se lembra quando que você colocou aquela história, entendeu? Não
é uma coisa assim que você parte de um roteiro pré-estabelecido, o qual eu
montei em 2008 quando eu levei este espetáculo para o teatro. Montei este
roteiro, e a partir dali ele foi evoluindo. Então imagine, são 220 - 240 shows
por ano, então a coisa vai evoluindo, a cada dia você vai agregando alguma
coisa no roteiro.
5 - Quando houve a necessidade de ter um companheiro de
palco? E como foi dar vida ao personagem Licurgo, o “gaúcho emo”?
Foi quando eu levei este espetáculo,
o “Guri de Uruguaiana” para o teatro em 2008, que eu fui formatar este
espetáculo eu já tinha imaginado que eu precisava de “um escada” , que eu
queria um ajudante de galpão. E ai este nome Licurgo já era um nome antigo
também que eu já tinha na manga, porque descobri que quando conheci uma pessoa
lá em Capão da Canoa que se chamava Licurgo, que descobri que o nome do cara
era Licurgo, e que ele era natural de Uruguaiana, eu fiquei imaginando: “-Bah,
um dia vou criar um ajudante do Guri de Uruguaiana vai ter que se chamar
Licurgo”. Então, surgiu assim... quando ele surgiu, na primeira temporada, ele
não era “emo”, ele era apenas um baixinho e tal, não falava, já tinha estas
mesmas características, mas ele ainda não era “emo”. Se transformou “emo” meio
que sem querer, quando resolvi trocar a peruca nele, ficou uma franja que
parecia um “emo” e a partir dali, começamos a colocar uns adereços. Na temporada
seguinte já era o “gaúcho emo”.
6 - Por caracterizar um gaúcho nos palcos, como foi a
aceitação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG)? Houve algum tipo de
protesto como o que houve com o "tchê music"?
Não, não houve. Eu até achei que
poderia acontecer uma manifestação mais reacionária, mas não houve porque eu já
tinha o respaldo da classe artística. Porque eu não surgi de pára-quedas do
nada. Todos as pessoas, os artistas consagrados que estão ai hoje na música
nativista já são meus amigos de muito tempo, são meus parceiros de músicas e de
festivais. Já participei de todos estes festivais, todo mundo me conhece do
trabalho que eu fazia no Grupo Canto Livre. Então eu já tinha este conhecimento,
esta aceitação porque eu venho da música. E o respaldo dos próprios autores: o
Bagre Fagundes, o Nico Fagundes que é uma personalidade muito importante dentro
da história da música e do nativismo gaúcho, do tradicionalismo gaúcho. Eles,
na condição de autores da música não colocaram nenhum empecilho, viram que
seria uma forma bem humorada, mais um veículo que estavam abrindo, mais uma
oportunidade pra que o grande público conhecesse a obra deles que é a música “O
Canto Alegretense” . E eles sabe disso, eu tenho certeza disso também, que “O
Guri de Uruguaiana” está colaborando muito pela divulgação do trabalho deles. Então,
não tive problema nenhum, nem nunca tive. Tem uma revista, a Aplauso, saiu uma
matéria sobre a minha história com depoimento fantástico de Paixão Cortez. O ano
passado lancei um livro, “Os Causos do Guri de Uruguaiana”, na Semana
Farroupilha, dentro do Piquete IGTF, fiz um coquetel de lançamento do livro (lá
dentro). Isso tudo é sinal de que eles estão entendendo que não é um deboche
que eu faço, pelo contrário, é uma maneira de divulgar as tradições gaúchas num
seguimento que necessariamente não tem acesso. Tu faz um show com grande cantor
nativista, um grande artista nativista, tu tem um público bacana, um público
focado, um público que é o público do nativismo. É o público da música gaúcha. Agora,
um show de humor, você atinge crianças, atinge gente que gosta de nativismo, de
sertanejo... então o público que você atinge é muito maior do que o segmentado.
Então é um público que, tanto é que em função disso, os shows do “Guri de
Uruguaiana” tem sido recordes de público
em todas as cidades que a gente participa.
7 - Em seu site percebemos novos personagens. Há novos
planos para longo prazo?
Não, até que os personagens não são
novos, são antigos. São os que exatamente começaram no espetáculo “Seriamente
Cômico”, (o baiano, Brega Maurício Ronaldo, Mágico Sergay Baitabichóvsky e o
Guri de Uruguaiana). Estes outros personagens, infelizmente, eu não estou
podendo trabalhar porque o “Guri de Uruguaiana” está me absorvendo demais todo
o meu tempo, e tem vários projetos para o “Guri de Uruguaiana”. Mas para os
outros personagens eu tenho um show fantástico, que é o “Seriamente Cômico” que
eu gostaria de colocar novamente no teatro, fazer uma gravação, lançar um DVD
que ele é fantástico, é lindo. É maravilhoso este show, ele é um pouco mais
musical, que tem vários personagens que hoje com o nome do “Guri de Uruguaiana”
seria um golaço, seria uma barbada de vender DVD, de trabalhar o espetáculo. Mas
eu não tenho condições de tirar o foco, porque agora o “Guri de Uruguaiana” tá
me absorvendo 100%.
8 - Dez(10)anos de estrada como humorista... já participou de
vários programas de televisão e mostrou que gaúcho também faz humor, não é
apenas alvo. Qual foi a receptividade em Paris de um trabalho como o personagem
“Guri de Uruguaiana”?
É, na verdade esta brincadeira da
Europa, eu estava de passeio, fui passear e criei, já que não podia me ausentar
10 dias do público do Twitter, que são mais de 18 mil seguidores, que se você
ficar 10 dias sem se comunicar com estes seus seguidores, você vai perder 10%
deste público. É um público de Twitter que quer saber notícias diárias e você
tem que postar 1, 2, 5 twitts por dia que é pra você manter o cara atualizado
do que está acontecendo. Então eu precisava criar esta cena, que eu tinha que criar
alguma coisa... por que é que eu fui pra lá? Então eu me dei o trabalho de
sempre que eu saio assim, eu levo aquela
caracterização do “Guri de Uruguaiana” e em algum momento me caracterizo e a
minha esposa me registra lá, e eu faço um clipezinho, um vídeo, conto uma
história, pra criar esta cena de que o “Guri de Uruguaiana” estava acontecendo.
Então eu criei esta cena toda de que havia recebido um telefonema, que era de
Barcelona, e era uma proposta de emprego e eu fui pra lá e não consegui achar o
emprego... descobri que havia um CTG em Paris e que eu iria pra lá. Pior que eu
fui até o tal CTG e não achei! Então eu criei toda esta cena justamente pra
poder continuar me comunicando com o público. Foi uma boa sacada, deu uma
repercussão bárbara, no blog, no Twitter... foi muito legal.
9 - Até por falar em Twitter, você comenta como por
reclamação que estava em um restaurante e que não conseguia acompanhar e ver
como estava indo o Gre-nal.
É, o “Guri de Uruguaiana” inventou
que tinha uma antena enorme lá em Paris, que é a Torre Eiffel, e esta antena
não (mesmo com uma baita antena daquelas) pegava a Rádio Gaúcha. Então, e ainda
ele comenta que a antena ainda não estava pronta, que tá só nos ferros, que
quando ela estiver bem prontinha ia ficar a coisa mais linda do mundo.
10 - Nosso estado tem belezas ímpares em relação ao restante
do país. A cidade de Uruguaiana é rica na produção do grão de arroz e cidade
importante na agropecuária nacional. Por que “Uruguaiana” e não outra cidade
para criar o personagem humorístico?
Porque este personagem surgiu no
espetáculo “Seriamente Cômico” onde o “sketch”
dele eu ia pra Uruguaiana e lá eu contava uma história que eu ia fazer uma
homenagem para uma pessoa lá de Uruguaiana e fiquei sabendo que o filho deste
estancieiro de Uruguaiana tinha ido pra Europa com uma bolsa, e depois eu
descobria que era uma bolsa de crochê. E o guri este de férias em pra Uruguaiana,
retornando da Europa, o pai dele inventou de ir em um baile e pediu pra parar o
baile e pediu pro filho cantar a música “Guri”. E o guri então diz pro pai: “-
Olha pai, eu vou cantar, mas mudei um pouco a letra. Eu estava muito tempo fora
na Europa, mudou um pouco meus hábitos”. Ai ele canta a música “Guri”, uma
paródia muito engraçada do “Guri”. Então este personagem dentro do “Seriamente
Cômico” ele surge em cima desta paródia da música “Guri”. E “Guri” é um
clássico gravado pelo Cesar Passarinho e autores Júlio Machado e João Batista Machado, que são também uruguaianenses, esta música é da
Califórnia da Canção Nativa. Então esta música é muito identificada com
Uruguaiana. Então, “Guri” foi a música que deu o “start” deste personagem, a
paródia “Guri”. E quando eu comecei a fazer os programas de televisão, eu
precisava ter um nome para o personagem, ai então eu pensei e “-Bah, Guri de
Uruguaiana... por que não Uruguaiana?” Uruguaiana é uma cidade forte dentro da
tradição, uma cidade que tem o maior festival da música nativista, um público
da fronteira bem gaúcho, fala com uma particularidade também. Então, achei
bacana, o “Guri de Uruguaiana”. E depois, ainda pra completar mais ainda, ficar
mais interessante ainda o personagem, que
eu passei a fazer versões do “Canto Alegretense”, que é na verdade... entre o
Alegrete e Uruguaiana existe uma certa rivalidade e então despertou mais, o que
ficou mais engraçado é que o “Guri de Uruguaiana” só canta o Alegrete,
entendeu? Então, tudo o que gera polêmica, gera discussão, acaba te dando uma
mídia, entendeu?
11 - Esposo de Silvia Helena, pai de duas pequenas meninas,
estudante de três cursos universitários não concluídos, funcionário de
escritório de contabilidade, sacoleiro, dono de restaurante, fotógrafo, hoje
humorista. Há mais algum sonho na vida de Jair Kobe?
Olha, eu estou muito bem agora...
assim. Estou gerando trabalho para um monte de gente, entendeu? A gente está
com um trabalho dentro da história do tradicionalismo. A gente está conseguindo
levar informações assim bem legais sobre a cultura gaúcha pra todo o Rio Grande
do Sul, e principalmente para as crianças, e também lá fora, levando para Santa
Catarina e Paraná,e outros lugares que a gente tem viajado. Então é uma forma
de desmistificar o povo gaúcho, aquela coisa toda, que é sério e sisudo. Levar de
uma forma bem humorada algumas informações da cultura gaúcha: como a música, a
indumentária, as suas danças, seus costumes, os seus hábitos como o chimarrão. Então
eu fico bem feliz de estar podendo participar ativamente deste processo. Além do
que e fora isso, levar a diversão e a alegria há um monte de gente. E as
referências que a gente tem sobre estas questões são impressionantes, o quanto
é importante para as pessoas ter assim um DVD em casa para poder dar risada com
seu filho. Então é um trabalho que me gratifica. Eu posso ficar perto da
música, uma coisa que é o “meu chão”. E então através do “Guri de Uruguaiana”
eu posso cantar, tocar vários instrumentos... sempre brincando, sempre cantando,
então eu estou muito feliz com este trabalho que eu venho realizando. Acho que
o “Guri de Uruguaiana” vai continuar e eu vou me aposentar com o “Guri de
Uruguaiana”, não tem como eu me aventurar em outro projeto, porque dentro do
projeto “Guri de Uruguaiana” tem muita coisa pra ser feita.
12 - Há pouco tempo, início deste ano, foi gravado um vídeo intitulado
“Gurillage People” com participação de Elton Saldanha, Daniel Torres, Jahmai e
Cris Pereira, o Jorge da Borracharia. E em seus shows temos a participação
especial de Daniel Torres. E como é ter a participação de amigos tão queridos nos
seus trabalhos de divulgação do “Guri de Uruguaiana”?
Esta é uma grande brincadeira que
agora já virou um compromisso de todo o ano lançar um clipe, cantar o “Canto
Alegretense” em cima de um grande clássico mundial. E sempre que possível eu
levo os meus amigos e como no “Guritles” teve o Rui Biriva e o Daniel Torres e
agora no “Gurillage People” o Rui só não participou porque já estava doente e
não pode participar, mas ai veio o “Jorge da Borracharia”, o Jahmai, o Elton
Saldanha, todos os meus amigos. E agora para o próximo clipe eu já tenho
compromisso com o Rafinha Bastos e Diogo Portugal que querem agora gravar o próximo clipe que a
gente vai fazer. Então a brincadeira do clipe é uma forma de juntar a gente
neste entretenimento e também a parte de Daniel Torres em participar do
espetáculo com a gente é uma forma de qualificar o espetáculo na parte musical.